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Maurício Lopes fala por todos em entrevista.

ENTREVISTA

“Queremos uma empresa mais ousada e conectada ao futuro”, diz presidente da Embrapa

Maurício Lopes adiantou detalhes da repaginação da empresa de pesquisa agropecuária e falou sobre a necessidade de aumentar a captação de recursos privados

07/12/2017 - 15h46minAtualizada em 07/12/2017 - 16h01min

Joana Colussi

Joana Colussi

De São Paulo*
 
Lopes diz que são necessários ajustes, pois o mundo da ciência e da inovação avança em alta velocidade Gerardo Lazzari / Mecânica de Comunicação
 

Há cinco anos à frente de uma das mais respeitadas instituições científicas do país, Maurício Lopes tem nas mãos o desafio de repaginar a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – em meio a uma das maiores crises de recursos voltados à ciência brasileira. Iniciada neste ano, a modernização começou pela implementação de processos mais ágeis e eficientes na sede da instituição, em Brasília. Em 2018, as mudanças deverão chegar às 46 unidades de pesquisa espalhadas pelo país.

Em entrevista à Zero Hora, durante evento sobre segurança alimentar em São Paulo, Lopes adiantou detalhes da transformação e falou sobre a necessidade de aumentar a captação de recursos privados – por meio de cobrança por tecnologias e de parcerias com empresas. O presidente também revelou articulações relacionadas à revolução agrícola na África, nova  fronteira de oportunidades para empresários brasileiros.

Como está o projeto de modernização da Embrapa?
Iniciamos o processo de mudança pela sede, diminuindo o número de unidades gerenciais e implementando uma lógica de gestão por processos, para torná-los mais ágeis e eficientes. Estamos atendendo a uma exigência legal. Em julho do ano passado, foi aprovada a lei das estatais. Tivemos também a aprovação da lei do teto, que estabelece limite para os orçamentos das empresas públicas. Há uma série de circunstâncias obrigatórias que a Embrapa tem de se ajustar e há também questões de mercado. Temos o mundo da ciência e da inovação avançando em uma velocidade muito grande. Então é absolutamente natural que as instituições procurem ajustar suas estruturas para que consigam responder a essa realidade. No próximo ano, iniciaremos processo semelhante (ao realizado na sede) nas unidades de pesquisa.

Quais modificações virão em 2018?
Uma mudança que posso adiantar é a diminuição da redundância de funções. Como a Embrapa é uma rede com 46 unidades em todo o Brasil, acabamos por manter atribuições que poderiam ser incorporadas por duas, três ou mais unidades. Muitas vezes estão muito próximas umas das outras, todas com uma instância de gestão de orçamento e de comunicação. Enfim, podemos usar esses recursos de uma maneira mais efetiva.

Pode haver redução ou fusão de unidades?
Não há intenção de fechar ou diminuir unidades de pesquisa. Reduzimos as cinco de serviços porque é um modelo que não nos serve mais. Queremos que as unidades  de pesquisa atuem de maneira mais transversal e integrada. Cada vez mais, a Embrapa incorpora o conceito de território. Temos um trabalho consolidado de inteligência estratégica para olhar para todos os territórios do Brasil – dando suporte à expansão integrada e sustentável do agro brasileiro. Há outras mudanças, mas não gostaria de adiantar porque ainda não foram profundamente discutidas.

O objetivo das mudanças é tornar a Embrapa mais próxima do mercado?
A Embrapa é uma empresa relevante, reconhecida, que segue dando contribuições importantes. A principal é entregar cada vez mais valor à sociedade. Queremos ligar a empresa nessa lógica, por isso criamos um sistema de inteligência estratégica, o Agropensa, que será fortalecido para olhar e pensar adiante, ajudando segmentos importantes a ganharem mercado. Por exemplo, no setor do leite, a única maneira de se livrar dos problemas é se lançar para o mundo. Quando o Brasil começar a ser um grande exportador de leite, resolverá uma série de dificuldades. Ir ao mercado internacional significa também incorporar conhecimento e tecnologia para padronizar o produto. E a Embrapa pode ajudar nessa construção. Queremos uma empresa mais ousada e conectada ao futuro.

Esse projeto está sendo proposto justamente no momento de redução de quase 50% do orçamento da Embrapa. De que forma fazer isso?
É um velho jargão, mas cabe muito bem aqui. Um momento de crise pode ser também um momento de oportunidade. Muitos ajustes que você não conseguiria fazer em época de abundância, você realiza com mais facilidade em um momento difícil como esse. Todos os brasileiros estão preocupados com a economia. Essa é uma situação grave e séria, mas a nossa empresa é muito madura e consolidada, por isso está perfeitamente apta a pensar o papel que terá de cumprir depois que essa crise passar.

E como driblar a escassez de recursos?
Essa é uma questão que nos penaliza, obviamente queremos manter o recurso público. Mas estamos buscando cada vez mais verbas privadas. A empresa tem hoje cerca de 400 acordos e contratos com parceiros nacionais e internacionais, públicos e privados. Seguiremos cada vez mais focados nas parcerias público-privadas, nas associações com o setor produtivo, na busca de verba em âmbito internacional. A Embrapa vislumbra muitas oportunidades de parcerias para ajudar o país a avançar.

Quais são os percentuais de recursos público e privado no orçamento da Embrapa?
Cerca de 30% do orçamento para custeio vem de associações com empresas. A maior parte dos recursos é para custeio, pouco para investimento.

Como está a nova investida brasileira na África?
Estamos em discussão com o banco africano de desenvolvimento, que está interessado em participar da incorporação de tecnologia para a agricultura tropical na África (como Angola, Moçambique e Sudão). Esperamos criar uma nova vertente de operação lá. Particularmente, sou um pouco pessimista em relação aos governos africanos, pois são muito instáveis. E, na ciência, relações pouco duradouras são ruins. Então a via do setor privado me parece mais segura. Estamos discutindo com um órgão francês de pesquisa e cooperação um programa para fazermos o zoneamento agrícola de risco climático da África. Isso é imperativo, não dá para imaginar o futuro de uma agricultura mais pujante sem um sistema de gestão de risco que permita atrair investimento privado. Nós vemos a África como uma oportunidade para o Brasil ao longo do tempo.

Quais são essas oportunidades para o Brasil na África?
Não dá para imaginar um desenvolvimento extraordinário da África no curto prazo. Sabendo das dificuldades, da falta de infraestrutura e de instituições, deve acontecer em prazos mais longos. Se ocorrer uma revolução agrícola no continente, é preciso ter o protagonismo do Brasil. Seria muito ruim vermos os chineses vindo ao Brasil comprar tecnologia, contratar consultoria, para fazerem uma revolução agrícola lá. Devemos pensar em participar desse processo, que irá acontecer, é só ver as projeções de crescimento populacional do continente. O Brasil tem de ter uma agenda para levar suas empresas de insumos e de máquinas, assim como consultores e instituições, para aproveitarem essa oportunidade.

*A repórter viajou a convite da organização do Fórum Desafio 2050