Só reformar não basta nem para a Embrapa nem para tantas outras estatais. A questão central reside na relação com o Estado e o sistema político-partidário. Ajustes são imprescindíveis, mas insuficientes. As enfermidades principais provêm da maldição das estatais. A Embrapa, com seu orçamento vultoso e prestígio, sempre foi assediada para formar parcerias.
Governadores, senadores, deputados federais e estaduais, e prefeitos desejam anunciar projetos de pesquisa que tragam soluções para a agricultura, investimentos e cargos para aliados. Líderes políticos têm o discurso pronto: “estive com o presidente da Embrapa que me autorizou a anunciar um Centro de Pesquisa (ou Unidade ou projeto) no nosso estado”. Nesse caso, o líder político de outro estado concorrente, tem que ficar para depois. Mas poderá receber compensações, por exemplo, indicação para uma das 12 Vice-Diretorias da CEF (com salário de R$63,5 mil) ou uma das sete Vice-Presidências ou 23 (isso mesmo) Diretorias do Banco do Brasil. Entra governo sai governo, reforma aqui e acolá, e continua o mesmo jogo para ocupar o “Estado Privatizado”, pouco útil e caro.
A empresa Embrapa tem suas peculiaridades que a tornam complexa e de difícil administração. Difícil responder com excelência em termos de governança na enorme EMBRAPA. As limitações orçamentárias e políticas complicam o ritual de programar, orientar, financiar, controlar, avaliar, confirmar ou reorientar mil e cem projetos plurianuais de pesquisas de cunho científico, defendidos tecnicamente por Centros e pesquisadores como indispensáveis, como verdadeiros “donos do projeto, amparados por centenas de políticos da coalização do governo vigente”.
Por seu turno, o relacionamento institucional e a busca de recursos complicam o cenário. Vi diversos ministros da Agricultura assistindo à Direção da EMBRAPA acertar seu orçamento diretamente na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional (e aí sabem como ajustar compromissos). A supervisão pelo MAPA também é complicada. Nada de errado com a autonomia, mas atou as mãos dos ministros que pretenderam exercer a supervisão setorial prevista na Lei Orgânica da Administração Federal.
O primeiro e grande desafio da Embrapa foi apoiar a ocupação dos Cerrados, durante as décadas de 80 e 90, em especial com o lançamento de variedades de sementes de soja e corretivos dos solos frágeis. Também contribuíram, mas nunca tiveram o mesmo reconhecimento, o Instituto Agronômico de Campinas, a Esalq, a Universidade de Viçosa, além do PRODECER. A Embrapa desempenhou papel relevante naquela epopeia. Ressalto que a Empresa sempre foi dez em termos de divulgação institucional. O prestígio cresceu, merecidamente, e este trouxe mais recursos, com os quais instalou mais Unidades nos estados, construiu a Sede e novos Centros no Distrito Federal.
VEIO O SÉCULO 21, COM MUDANÇAS PROFUNDAS E NOVOS DESAFIOS
O final do século chegou com verdadeira revolução tecnológica. Na agricultura, uma das grandes mudanças é que o essencial do processo produtivo passou a ser forjado à montante, na pesquisa sofisticada e onerosa, envolvendo a biotecnologia, a fármaco-química, a engenharia mecânica, etc. Os grandes laboratórios e fabricantes de insumos (sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas e equipamentos) investiram pesado, e conseguiram grande dianteira em matéria de pacotes tecnológicos, colocados aos agricultores de forma inexorável: é pegar ou não ser competitivo.
Isso teve grandes implicações. Como regra geral, o papel central da pesquisa oficial mudou. O foco deveria ter se concentrado em responder às demandas do País onde o setor privado não corresponde às necessidades básicas, e proporcionr soluções para as indagações a respeito dos alimentos, solos, recursos hídricos e as implicações dos pacotes tecnológicos sobre o meio social e ambiental.
Contudo, nossos pesados Centros de Pesquisas continuaram no seu mundo, e alguns distanciados das demandas recentes da agricultura. O trem passou e ainda há os que estão na estação ferroviária com o ticket de embarque. Cito exemplos: o Centro de Pesquisa de Algodão na Paraíba, com 200 servidores, está distante das áreas de cultivo do algodão em Mato Grosso e no oeste da Bahia. O Centro do Vinho, após três décadas, tem dificuldades para acompanhar o nível tecnológico do setor privado dos países vizinhos; o Centro de Gado de Corte em Campo Grande, distanciado do polo privado de excelência do Triângulo Mineiro e do Rio Grande do Sul; o do arroz, instalado em Goiás quando era importante ali.
Outra consequência da maldição das estatais foi o aparelhamento ideológico, implantado pelo governo do PT, disseminando o viés do vírus ideológico nas diretrizes científicas de pesquisa. O agronegócio, a biotecnologia e a engenharia genética foram excluídos das prioridades e declarados inimigos da agricultura familiar e da Reforma Agrária. O resultado foi um atraso numa área estratégica, ocupada pelos grandes laboratórios multinacionais, que puderam, e ainda podem, cobrar caro por sementes OGM, de agricultores familiares ou grandes, diante da falta de opção.
Infelizmente, o fato é que a EMBRAPA não tem lançado novidades tecnológicas de destaque nos últimos anos. E é cobrada por isso. Passaram-se 45 anos e a foto atual da Embrapa tem gerado apreensões e críticas:
“47 Unidades Descentralizadas (caso não prospere o pleito de mais uma por pressão política das Alagoas) e outras 17 em Brasília que abrigam 10 mil servidores, dos quais 2.500 pesquisadores, alocados em 1.100 projetos que requerem campos de cultivo, laboratórios, auxiliares, tratores, equipamentos, insumos e veículos. Custo anual: R$3,4 bilhões.”
A EMBRAPA é necessária e tem função estratégica, portanto, transcende a conta Custo-Benefício financeiro. O patrimônio formado não é monetizável, tais como o acervo científico sobre a agricultura nos trópicos, nossos biomas e o meio-ambiente; o banco de germoplasma; o Zoneamento Agroecológico e o acompanhamento do progresso científico mundial. Mas, é inescapável o questionamento sobre a dimensão dos seus gastos.
As cobranças por reorientação requerem respostas e medidas compatíveis. A direção da Embrapa já está anunciando algumas delas. Porém, reitero, o alcance de reformas em função de cortes orçamentários é limitado se não houver reformulação na interferência do sistema político, que é o que inviabiliza a adequação institucional aos desafios do futuro, o enxugamento de Unidades, a diminuição de servidores e seleção rigorosa de projetos de pesquisa em função exclusiva das prioridades nacionais.